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sábado, 30 de março de 2013

palavra: freios e contrapesos



Dentre os Crimes Contra a Honra, Capítulo V do Código Penal Brasileiro, figura no artigo 138 a figura típica da Calúnia, in verbis: “caluniar alguém imputando-lhe falsamente fato definido como crime”. A proteção do bem jurídico é tamanha que o dispositivo atinge aquele que conhecendo a lesão à honra de outrem se investe no papel de divulgar a informação danosa, até a honra dos entes queridos é preservada pela abrangência do tipo. O discurso de que “quem tem boca fala o que quer” já não é mais novidade, e muitos falastrões menos incautos ainda invocam direito constitucional da liberdade de expressão pra embasar o falatório, alguns guarnecidos de razão, outros nem tanto, muito pelo contrário, para alimentar discursos raivosos, de ódio, como aqueles que trilharam os caminhos de Cristo até a cruz, e os que estamparam na história a marca do Holocausto. A palavra, por vezes, tem potencial lesivo que sobrepuja a lâmina da faca ou agilidade da bala, com os signos da palavra se faz a informação que encontra nos dias atuais seus mais diversos veículos, perspectivas, amplitude, falar o que quer nem sempre o é, mas não perde a possibilidade de se configurar como crime – digo isso para que se compreenda o peso que acompanha a expressão. Freud é muito feliz numa de suas passagens que sintetiza bem a ideia que reside em mim: "O homem é dono do que cala e escravo do que fala."

Torna-se escravo do que fala aquele que não compreende o limite de sua liberdade, pois que se ilimitada fosse, os arbítrios de uns e outros nesse mundo anular-se-iam reciprocamente, mais que isso, a própria figura do Estado seria ameaçada diante da periculosidade do exercício insubordinado e desmedido da liberdade. Por essas e tantas outras é que vejo com estranheza a declaração de Joelma, vocalista da Banda Calypso,  quanto à homossexualidade em geral. É fato que ninguém poderá extirpar de qualquer pessoa convicções particulares, filosóficas, políticas, religiosas, seja elas de qual origem for, portanto é compreensível que a figura pública (inevitavelmente formadora de opinião), pugne por preceitos bíblicos que incorrem na condenação sumária da homossexualidade, inclusive compreendo/apoio/defendo o seu  direito de não enxergar com bons olhos o casamento gay, a  divertida música já diz: “cada um no seu quadrado”. O que de fato reclamou minha atenção foi a infeliz comparação da possibilidade de conversão do homossexual ao status legítimo/saudável de hétero com aquele que vive entre às drogas; e, é sabido que as drogas se tornaram verdadeiro câncer da nossa sociedade. A fala é reveladora de uma tendência eminentemente heteronormativa e agressiva. 

No perfil do twitter da banda a vocalista ainda complementa: “Falo em recuperação porq conheço pessoas q saíram dessa. Foi muito difícil mas, Deus pode absolutamente tudo”. Não há de se questionar o mérito da banda, dos fãs ou da música, enquanto, em verdade, o que se fez foi comparar um homossexual, espezinhado que já é pela estupidez alheia, com o sujeito que pelas mais variadas razões ulula pelas ruas debaixo do sol e da lua, rouba seu relógio, no transe fornecido pelas pedras de crack; compara o gay com aquele filho, irmão, conhecido que perdeu a identidade e desde então vende os móveis da casa para custear o vício da heroína; compara inclusive muitas pessoas com essa marca toda especial que só a homossexualidade oferece com o pai que destrói sua família afogando-a em diversas garrafas de pinga. Se ser homossexual ou dependente químico é uma questão de “ser” ou “estar”, reservo-me na mesma estranheza com a qual pensei esse discurso pela infelicidade do desequilíbrio dessas palavras; que enraivaram alguns, encetaram o riso de outros, que armaram admiradores da banda até os dentes com o melhor estilo “fé cega, faca amolada”. Em mim, não criou novel sentimento. Não se trata da primeira ou da última pessoa a vociferar tal comparação, mas em tempo de Feliciânus, Boçalnaros, e MALafaias, concluo que a oportunidade de ficar calado sabe presentar a liberdade de dizer o que se pensa.

Se o Deus de Joelma pode absolutamente tudo, acenderei hoje tantas quantas velas forem necessárias para iluminar os caminhos do Ser Humano e minar o seu coração e suas palavras de Amor. É preciso uma dosagem extra de coragem para expor a face na iminência do tapa, muito mais coragem e esforço para se tornar pessoa melhor do que era antes de receber um desses bem violentos, daqueles que deixam a marca da vergonha no rosto e na alma. É num ínterim solitário que eventualmente me separa do tempo e do espaço que exprimo a sincera crença numas das leis que embasam a natureza das coisas, se é fato que nada se perde e nada se cria, que se transformem e deformem a realidade feia que circunda, meus olhos já estão machucados por demais.


Por Marcos Araujo

Um comentário:

  1. Realmente é vergonhoso ter que ouvir pessoas (principalmente públicas) usarem seu poder de comunicação para ofender os outros, para cercear a liberdade alheia e etc. Joelma? rsrs, quero nem comentar. Abraço!

    Iuri Adônis

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Se não leu, não comenta bobagem certo?
Obrigado o/