Quando menina era raivosa, irascível, entrava em cólera antes de todos, mas às vezes era engraçado de ver. Ela poderia não se avaliar deste jeito, eu sei, mas era uma expectativa dupla, pois eu também achava que ela não tinha aquele filtro imaginário que todo mundo tem entre as idéias e as palavras, ela não era apenas sincera, no entanto caracterizava expressivamente a própria sinceridade mais (in) conveniente, depende de como você a enxerga. Lembro tantas vezes de como essa raiva sem contenção se transformava em riso, a conversa boa era nosso rio cuja distração navegava; por mais contraditório que seja, a natureza pregou peças e impôs algumas restrições a sua existência, contudo, Maysa percebia as alteridades até certo ponto, ela também queria e podia ser feliz com as mazelas que eram-lhe inerentes, em linhas gerais, tinha diabetes, mas não poupava a bolsa e os bolsos da mochila com as balas que comprava escondida, jogava-se na carteira da escola de qualquer jeito e depois lembrava do seu desvio na coluna franzindo a testa sem grandes cerimônias.
Pode parecer inconseqüente; entretanto, fitando-a do meu mundo, agir dessa forma era um modo de dizer a si mesma que era igual entre iguais ainda que num espaço de diferenças, era possível sim odiá-la, mas só quem se arriscou e se aproximou em algum momento de sua vida pôde perceber que amá-la era muito mais gratificante, ainda que a distância.Eu cheguei a desconfiar que aquela menina do início do texto, com direito a cara amarrada e tudo, poderia ser só a capa de um belo livro, cheio daquelas surpresas que apetecem os sentidos; se despertei a curiosidade vos digo com clareza que tive a sorte e tempo de conhecê-la para guardar no peito um sentimento bom, o abraço apertado que era dela toda vez que o acaso nos achava por caminhos análogos.No vulgo, “enrolamos” muito.O costume ocidental de viver correndo dentro da própria casa, no trabalho, no emprego, na faculdade, nos corações alheios de tantos meninos, foram estreitando as saudades contidas no bate papo pela Internet, incluo aqui as múltiplas promessas de ambas as partes quanto a marcar encontros ou sair pela noite e encontrar uma boa festa, ainda que a gente divergisse nesse mérito, ela na MPB(música popular baiana nesse caso) e eu na cena eletrônica da cidade.Entendo o por quê de não se acostumar com isso, ela devia saber também.Confesso que me acostumei com suas falências físicas e sua presença freqüente pelos hospitais, acho que estar cursando nutrição não colocou muita coisa naquela cabecinha cujos cabelos tantas vezes trocaram de cor, o fato é que eu sempre gostava, aliás gosto.
Pode parecer inconseqüente; entretanto, fitando-a do meu mundo, agir dessa forma era um modo de dizer a si mesma que era igual entre iguais ainda que num espaço de diferenças, era possível sim odiá-la, mas só quem se arriscou e se aproximou em algum momento de sua vida pôde perceber que amá-la era muito mais gratificante, ainda que a distância.Eu cheguei a desconfiar que aquela menina do início do texto, com direito a cara amarrada e tudo, poderia ser só a capa de um belo livro, cheio daquelas surpresas que apetecem os sentidos; se despertei a curiosidade vos digo com clareza que tive a sorte e tempo de conhecê-la para guardar no peito um sentimento bom, o abraço apertado que era dela toda vez que o acaso nos achava por caminhos análogos.No vulgo, “enrolamos” muito.O costume ocidental de viver correndo dentro da própria casa, no trabalho, no emprego, na faculdade, nos corações alheios de tantos meninos, foram estreitando as saudades contidas no bate papo pela Internet, incluo aqui as múltiplas promessas de ambas as partes quanto a marcar encontros ou sair pela noite e encontrar uma boa festa, ainda que a gente divergisse nesse mérito, ela na MPB(música popular baiana nesse caso) e eu na cena eletrônica da cidade.Entendo o por quê de não se acostumar com isso, ela devia saber também.Confesso que me acostumei com suas falências físicas e sua presença freqüente pelos hospitais, acho que estar cursando nutrição não colocou muita coisa naquela cabecinha cujos cabelos tantas vezes trocaram de cor, o fato é que eu sempre gostava, aliás gosto.
No início do ano, enquanto tomava açaí próximo a sua casa, a coincidência me presenteou com o último riso, o último abraço e a última sessão nostálgica de tempos bem mais simples. Você pode amar as pessoas sem estar perto delas, sem viver com elas, ou melhor, você pode estar com alguém sem estar ao mesmo tempo (ensejo que compreendam); contudo, fica uma lição de cumprimento imprescindível na vida de cada um, deixado por nosso queridíssimo Renato Russo: “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar pra pensar não verdade não há”. A vida seguiu seu curso, Maysa faleceu nesta madrugada sendo amada, arrancando uma existência tão nobre do âmago da sua família e amigos, incluindo os admiradores avulsos. É com muito pesar que presto as últimas homenagens e parece confuso, mas a vontade de sorrir é maior do que o desgosto quando eu lembro que ela nunca vai me deixar esquecê-la, ainda que eu quisesse, por tudo o que ela foi e por tudo que tivemos a oportunidade de viver e aprender juntos; descanse em paz minha amiga.