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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A madrugada faz.


Não há nada que eu sinta que não possa ser alvejado, destruído, reduzido ao pó de sintagmas sem sentido. Essa é a força que as palavras têm. Essa é a força com a qual me lavo e purgo, rasgando a pele e escorrendo lágrima nenhuma, derramando meu sangue sobre planos pequeninos desenhados num caderno estudantil. Existe um inverno longo e violento dentro de mim. É o que é obscuro, obsceno, é o que escandaliza tudo o que me é estranho. A vida esteve por aqui sem me ver; e, não tendo visto, o que corresponde a mim: coisa alguma, coisa nenhuma somando mais um dissabor degustado nas aparências do meu ser quase perecido, quase parecido com alguém.







Por Marcos Araújo.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Sobre o que é feio.

De repente, à beira mar, fui ao encontro de mais outra situação ruim para pendurar nas minhas costas – lidar com a minha anormalidade – e os problemas vem se multiplicando como gremlins a banhar-se num dulcíssimo lago. A saber: isso pesa. Acredito, e por sinal, inicio a frase partindo do princípio de uma crença aleatória, meramente verbal (a- + crédito + -ar), pois que não atribuo a minha fala uma solidez atípica, indelével, que sai por aí exalando inexorabilidades e impugnando qualquer opinião contrária. Como estudante, eu posso errar. Como homem, eu erro; e, como ser humano, ainda mais e além das últimas categorias. Enfim, acredito que não existe ninguém nesse mundo que pode consignar um padrão fidedigno aos princípios que cada um vem gritando durante toda a vida sobre o que é ser normal e para o quê ou quem cabe o papel de escória.
Torno a reafirmar uma idéia que os mais próximos de mim já conhecem: admiro quem aprendeu a se mostrar. Para os que lêem: não me compreendam mal, se assim não afetar o que a gente denomina de mérito de escolha. De qualquer sorte, tenho um apreço deveras especial para todo ser humano que aprendeu a lidar com suas idéias acerca do mundo, de si e de todas as coisas, tal como percebeu que entremear-se no Universo do outro não é tê-lo como um ponto de partida; contudo, um princípio essencial para a construção de uma idéia ou idéias que mais tarde sugere a tolerância, o amor ao que o outro é ao invés do culto a tudo o que a gente espera que ele seja, sem sê-lo. Aliás, não existe maior decepção do que a que o ser humano projeta, consome e finda penosamente.
Desde cedo eu aprendi a me odiar. Minhas lições eram feitas e corrigidas no cotidiano dentro de casa, por minha família, por um espaço educacional permeado de hostilidade quando em contato com o que foge ao alcance do entendimento do que eles não procuram entender. Cresci sabendo que Jesus Cristo, filho da Luz, proclamante do amor, me odiava tal qual nós, seres humanos, conseguimos odiar abertamente uns aos outros. Obviamente toda essa confusão logrou algum tipo de resultado, a saber, por um prazo curto. Ao invés de viver me odiando e censurando cada ato, cada pensamento, aprendi a me enxergar no espelho além de uma projeção física e intricada numa existência confusa. Aprendi a me enxergar na medida da igualdade, não da diferença.
Portanto, o que é normal para você ou para mim, não passa de mera construção teórica norteada a partir de um referencial personalíssimo. Ser o que sou e como sou não constitui normalidade plena para você. Não obsta que para mim, não ser normal recai no fato de você, careta, não saber me enxergar nas devidas proporções de existência, importância, valor humano, gregário, funcional, civil e metafísico. O que me apavora é sentir o ódio no outro por tudo que ele não conhece, por tudo que lhe apavora a tal ponto de agredir e reinar absoluto sobre um sistema de costumes, valores e normas legítimas falidas que ostenta o genocídio social de tudo aquilo que é distinto dos trilhos enfadonhos promulgados pela voz da sociedade, calcada na infâmia fundamentalista e manipuladora da Palavra.
Eu sou homem – doa a quem doer – é nas palavras, falas, gestos e em centenas de variáveis distintas que me liberto, amo e vivo. Amo o que me faz tão único a ponto de perceber a amplitude do Universo e o valor oculto de seus enigmas, a forma e a força das folhas a esverdear nossa atmosfera cinzenta. Tudo do meu modo. Amar-me antes de outrem é o que norteia minha felicidade e satisfação de guardar com zelo tudo o que existe dentro de mim. Eu sou homem, careta, e vou além: eminentemente humano.

Por Marcos Araújo

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Sobre a real tragédia do povo.

12 de Janeiro de 2010, Rio de Janeiro - Por Vanderlei Almeida


Administração pública precária, ocupações em locais de risco, crescimento desordenado da população, intensificação no crescimento de favelas e fatores próprios das ciências geográficas são predicados imanentes do ciclo de enchentes e deslizamentos na região Sudeste do país. Pela TV o sofrimento é patente e irrevogável, famílias soterradas, planos, presentes, futuros e a sensação imediata do telespectador é de um tipo particular de horror, não daqueles que paralisa o corpo diante da tragédia constituída na imagem, nas pás e na correnteza de lama que anuncia mais um episódio descalabro para o país. No entanto, esse horror petrifica a alma, confere a muitos dos que acompanham de longe a miséria do povo brasileiro, a sensação de que os ambientalistas têm razão ao proclamar alto suas oratórias quanto às alterações que o homem tem imputado a natureza. Outros são mais radicais, práticos, usam da má fé para acreditar no que inventam e se apressam em dizer o seguinte: o povo constrói em qualquer lugar, só pode dar nisso.
12 de Janeiro de 2010, Rio de Janeiro - Por Vanderlei Almeida
Apesar de o governo Lula ter sido marcado por uma série de reformas sociais, o que inclue os programas habitacionais e o auxílio financeiro para famílias carentes, a miséria que ainda engloba milhões de brasileiros perpetua-se além dos limites graciosos da teoria e dos rostos felizes da propaganda eleitoral. O povo tem sede, o povo tem fome, o povo quer casa. E quem tem sede, bebe, quem tem fome, come, pra isso é necessário ter dinheiro, para ter dinheiro é preciso trabalhar; contudo, como obter um espaço no mercado de trabalho se não existe um sistema educacional edificado para preparar trabalhadores qualificados?Reitero, o povo quer casa – bem, se Maria Antonieta fosse brasileira ordinariamente diria: manda o povo ir morar no morro. Por debaixo da terra, por trás da tela da TV, existe uma bola de neve colossal, intacta sob a égide da falência da administração pública, à medida que ela cresce no país tropical e abandonado por Deus o povo morre, pede socorro e quer sair do morro, ao contrário do que Zé Keti defende ao cantar “Opnião”. O povo está pertinho do inferno.


O papel da mídia repete-se. Chove, a terra desliza, as mortes são contabilizadas e os termos não mudam. Tragédia, tragédia, tragédia. Melhor seria se o lema fosse: miséria, miséria, miséria. Pois a tragédia sempre esteve diante dos olhos atentos de um observador mediano, mas constantemente longe das lentes das câmeras das emissoras que disputam entre si o melhor furo de reportagem. A tragédia a qual se referem com tanto pesar esteve todo o tempo imóvel, concentrada e alarmante no mesmo local, anunciando o episódio funesto para os dias de chuva. Para os que ali viviam restava esperar, esperar e esperar, pois que dificilmente poderiam arcar com o custo de proteger a própria vida num outro local onde os riscos iam desde a bala perdida até males menores que esse.O povo quer, não obstante, querer não é poder, é o dito popular.O que seria o poder senão uma completa ausência de significados práticos para o povo?O povo tem poder?


Há um ano o Brasil mais uma vez esteve atônito diante de acontecimentos similares no Morro do Bumba e em Angra dos Reis. De qualquer sorte, isso é apenas parte de uma problemática que cresce como um câncer consumindo um organismo inteiro com sua metástase aparentemente indelével, o organismo desfalecido é o nosso país – que chora, chove e mata chorando. Quando abrir os chamados na TV para efetuar doações para salvar o povo carioca e paulista, ao sentir um movimento estranho em seus pensamentos e um gosto azedo nos lábios ao vislumbrar colaborar com qualquer mini fortuna, não estranhe, ao perceber seus conterrâneos afogando-se num mar de desgraças e percebe-se ali como uma possível vítima de um futuro que se apresenta pra nós quase sempre como incerto, não estranhe mais uma vez. O receio que traz consigo, guardado no bolso, no peito ou na alma, é o que te lembra que o demônio que lhe causa tais maus agouros é o mesmo responsável pelo caráter hediondo de tanta desventura em todo e qualquer canto país. Exceto nas altas cúpulas da burguesia brasileira, onde chove, mas não alaga, onde há fome e pão, sede e água perrier, aqui mesmo: a nova Europa – a real tragédia brasileira.



segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Validade

Existe toda forma de amor, há toda forma de amar
Em cantos e versos
Em inversos modos, entre tantas maneiras
Amor de quinta, amor de brincadeira
Amor que reconhece o perdão
Amor feito chuva passageira
Amor ligeirinho, estilo ventania
Amor que alumia a noite
Dia cujo amor anuncia
Amor carrasco
Amor descalço, sem mala nem alça
Sem teto nem chão
Amor dos alfas
Dos betas, dos deuses
Amor desses que a pele arrepia
Amor dos homens a cuidar de suas crias
Entre homens: amor de Almodóvar
Amor que se esconde e de longe se vê
Ontem, amor tenro, no entanto, amor
Amor dos sábios em seus acordos tácitos
Amores de luzes, verões, inválidos
Amor que flameja o tato
Amor de mãe ou de Otelo
Amor que tem medo de perder-se
Amor achado, depois esquecido
Amor reformado a perder o brio
E que não seja do amor todos os encantos
Há toda forma de amar
Existe forma de amor
Ai de quem não respeitar
Ai de quem sequer notou
O quão odiável é ser alguém
Que não entende o que é amar
- Pobre coitado, Maria ninguém
Neste vive a solidão de quem jamais amou
Digo-vos com prazer, se queres evitar sofrer, saiba deste então:
 Há toda forma de amar, é válida toda forma de amor.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A quarta carta.

O sonho se partiu em mil desde que ele soube que sofrera em silêncio das imprevisibilidades desta vida. Estava fraco, enfermo, pálido por dentro e por fora, sua alma cuja força erguia-o na ponta dos dedos mais tarde estaria desfalecida nos ombros de outro menino. E seu pranto, inválido, correndo pelas suas bochechas roliças, como um rio caudaloso e intermitente, parecia aumentar e ecoar na profusão de cores criadas por um jardim virtual do lado de fora. Lá dentro, havia apenas eles dois. Mais tarde, um deles diria sincero:

- Tal como seus olhinhos pequeninos e assustados, dói em meu peito a razão da tua dor, mas hoje não és solitário.Segure minhas mãos.



Ele entendeu, enquanto homem soubera da grandeza e fragilidade do seu orgulho adornado de caprichos, mas foi o teu coração de menino levado, amante, amado, que fez no seu rostinho imparcial os traços mais belos que a geometria da felicidade arquiteta com maestria. Ele sorriu, recuou o seu corpo até então curvado sobre a cabeceira da cama, e a luz do sol que escapava pela fresta da janela tocava a menina dos seus olhos que estreavam cintilantes no meio do quarto. Brilhando, cada vez mais. Suas mãos estavam absortas, inquietas, e o peito permanecia repleto de um fôlego a mais e quase sem por que. Erigiu-se, então, na frente do teu amado, agarrou-lhe, e sábio, beijou-lhe os lábios.




Não era um fato inexplicável, não era sacrifício, não era sacrilégio, ninguém era mais que ninguém ali, ninguém viveu por ninguém, não houve pecado, ali era amor.Não como caso inexplicável de rochas engendrando um colar de flores, mas amor imperfeito, real, que acolhe e aceita, erra e perdoa, manda e desmanda na medida da racionalidade relativa do ser humano. Eram aqueles meninos que podiam brincar de equilíbrio no mar sobre um barquinho de papel, precisando um do outro e da sorte contra essa aleatoriedade nefasta do Universo. Não seria agora, por uma pedrinha alheia interpondo-se nos seus caminhos que eles haveriam de fugir sozinhos. Ali era amor, eu te disse.

Por Marcos Araújo.