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terça-feira, 29 de março de 2011

As pedras são feitas para o Estado.


Eram três garotos negros e sujismundos, dois deles sentados do lado oposto no banco do ônibus, o outro, mais agitado, sentava ao lado de um passageiro alheio a tudo, atônito, em verdadeiro show de frieza ante os fatos. Eu estava logo atrás, aliás, antes de subir para o ônibus já os observava, em três tentativas frustradas de pular a catraca de outros coletivos, eram crianças e já fumavam demais, xingavam demais, havia escárnio no  seu olhar para os outros, ali mesmo, no cerne de um dos bairros mais boêmios de toda Bahia eles coexistiam com tanta miudez do ser, do existir por existir ou por acidente. Enfim, foi com muita consternação que presenciei um momento curioso, o menino afastado dos outros dois tinha um saco plástico de tamanho médio nas mãos, de lá ele tirou uma lata de refrigerante (aparentemente pesada em razão de alguns objetos no seu interior), e esgueirando-se para fora da janela, ignorando e afastando o perigo o qual não temia, escolheu uma vítima e alvejou outro maltrapilho a zanzar pela calçada, este, se atirou no chão, o ônibus seguiu e o menino desaparecera no mormaço e na poeira. Ficou para trás. Os olhares atentos e recriminadores voltaram-se para ele, os amigos riam; contudo, seus olhares eram contentes, obstinados, e até que o garoto acertasse outra pessoa, desta vez com uma pedra, eles aguardavam ansiosos por mais uma rodada de sabe-se lá o que, não sei que nome se dá para esse tipo de coisa no mundo deles. Que os falsos moralistas me repreendam e tragam o discurso pobre sobre o papel da educação e da família, pois, bem sabemos que os problemas de nossa sociedade não se encerram num único tópico. Na verdade, leia-se nestas linhas “minha convicção”; que, quando aquele garoto desferiu a lata de refrigerante para seu semelhante, para outro menino tão pobre e tão perdido quanto ele, talvez nem compreendesse mais profundamente por qual razão o fazia, mas ao fazê-lo, portanto, mostrava-se consternado e deveras perturbado com seu juízo de si, com o seu reflexo sujo, fétido, apráxico, a caminhar livremente pelas ruas como um espírito errante a divagar pelo Universo. Aquele garoto não atirava pedras nas pessoas, ele não tinha raiva delas, não as conhecia. Ele alvejava uma sociedade que não se faz entender de sua existência pífia e medíocre demais pra ser repensada, ele acertou cada um de nós, rompeu com essa insistente lábia de democracia, ordem e progresso para todos com algumas poucas e significativas pedradas. O rei Davi conseguiu expugnar um gigante com as pedrinhas aludidas na bíblia, aqueles meninos, no entanto, por pouco se mantém em pé, que diabos pode fazer com que os nossos gigantes tombem? Sim, pois há reis a cada esquina apedrejando o Estado que engendra de cada um de nós e, de fato, são suas leis que por vez ou outra temos que obedecer: a lei da selva.

Por Marcos Araújo

terça-feira, 22 de março de 2011

A sexta carta.

Tudo o que há em minha cara, tudo o que há em minhas mãos: legítima forma rara de amar. São tantas as coisas à toa, pairando defasadas nesse prisma, é a ilha incerta submergindo em ritmos, ritmos-Buarque, ritmos-Bethânia, amor de luzes efêmeras da mais plena pirotecnia. E tudo são fogos, cada verso, cada terço de tempo aludido, perdido e mesmo que ainda haja verso, a história apagara tua luz. E como se esvai? Feito filho bem vindo em movimento inverso, catando as primaveras com as mãos sujas, em tenras eras, com a dor e razão que todo o mundo lhe deu. Agora o trilhar é teu. Segue, pois, tão cega é a arte que lhe parte ao meio, a tal ponto de não me servir mais, não me vestir tal e qual como deveras reconheço.  Vai.



segunda-feira, 14 de março de 2011

Apague a luz ao sair.

Passa noite, passa dia, os ponteiros da vida a rodar sobre nossos carrosséis. E o mundo girou errado, tudo caminhando ao contrário e meus pés – exaustos – sem chinelo, sem passos, seguem descalços para o fim da jornada. Toda glória desse sorriso gentil e, o amor, tão cego, furtou-se nos versos e ardis; modesto verso de desventuras. O brio não hei de perder, perder-se-ia alhures, agora não. Confesso, desde então, haja coragem e força neste coração que é grande demais pra quem o enxerga, para quem o toca tão somente com as mãos, as quais permito alisar todo corpo que me encerra. Tudo que foi, era, convergindo para o centro da Terra circunscrita em mim – meu mundo – o meu lugar do qual, porventura, deixaste de  plantar as sementes do teu ser.  




Por Marcos Araújo

quinta-feira, 10 de março de 2011

A pobreza tem cor.

Com fulcro em interpretações da Constituição Federal do Brasil sob o olhar do jurisconsulto José Afonso da Silva e no artigo científico denominado Sexo e Cor: categorias de controle social e reprodução das desigualdades socioeconômicas no Brasil; segue algumas questões de relevância preponderante no que concerne ao controle, estrutura e comportamento social. O objetivo dessa dissertação impõe-se na observância das disparidades existentes entre negros e brancos quanto ao reconhecimento profissional, renda e estatísticas assombrosas que retratam a obscuridade de um país miscigenado e, contraditoriamente, racista.

O periódico utiliza-se de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no intuito de retratar e comprovar com dados sólidos até que ponto se efetiva a igualdade racial no país, trazendo à baila variáveis em torno de caracteres de cunho profissional. Ademais, a pesquisa utiliza do método comparativo para pôr homens brancos e mulheres brancas, tal como homens e mulheres negras, num mesmo rol, onde houve a coleta de dados para definir rendas médias e, de certo modo, reconhecimento profissional.

Antes, se faz mister reconhecer que o racismo vinculado ao convívio social na sociedade brasileira está intimamente ligado à cor da pele, considerando fenótipos em detrimento da genealogia. A significação do indivíduo, as medidas e poderes que lhe cabem, sendo assim, mantém-se numa relação de dependência quanto à cor da pele, como ao gênero sexual.  Contudo, mesmo que seja desta forma, a renda ainda é o meio mais palpável para perceber a desigualdade socioeconômica.

As três tabelas oriundas do PNAD enfatizam a variável supramencionada, pois que, a primeira delas trata-se de dados da Desigualdade de Renda da Ocupação Principal; a segunda demonstra dados referentes a Media da Renda da Ocupação Principal em Três Grupos de Trabalhadores; por último, a terceira tabela se refere à Proporção de Pessoas nos 10% mais Ricos e Pobres na População Brasileira. A saber, a pesquisa considera o trecho de 1996 a 2007, sendo que todas as análises consideraram como objeto homens e mulheres brancas, tal como homens e mulheres negras.

Na primeira tabela em todos os anos nota-se o prejuízo da mulher negra em comparação à mulher branca, outrossim, homens negros e homens brancos. O salário de homem branco corresponde em média ao dobro dos rendimentos do homem negro e, é eminentemente superior ao da mulher negra, que elenca a pior média dentre todas. Existe até mesmo uma disparidade entre o salário do homem branco e da mulher branca, em razão do gênero sexual. Ressalta-se que nos onze anos considerados de pesquisa, a mulher negra não logrou êxito para equiparar seu nível médio de renda ao do homem negro, o qual possui terceira pior média.





Na segunda tabela, de acordo com os dados do PNAD, em 2007, 30,8% de todos os brasileiros poderiam ser considerados pobres. A proporção entre negros e pobres chama  atenção, tendo 19,7% de brancos; e, 41,7% de negros. Considerando esses dados por sexo e cor, percebe-se que 19,8% dos homens brancos e, 19,6% das mulheres brancas, representavam a massa pobre. Enquanto 41,4% total dos homens pobres eram 
negros e 42% eram mulheres.














A terceira tabela sobressalta a população negra no quesito de pobreza, pois, de acordo com o PNAD, no ano de 2007, enquanto a população branca pobre representava 29,9% da total, os negros identificavam-se com disparados 69,5%. Sendo que, a população branca representava 49.7% do total de brasileiros e, os negros somavam 49,8% e outros grupos de cor 0.9%. Das fontes perquiridas, cabe tecer o adendo que para fins de pesquisa foi utilizado a renda mensal de cada um.








Destarte, cabe refletir de que tipo de igualdade jurídica se refere o sentido que a expressão igualdade perante a lei denota no regime constitucional brasileiro, a exemplo do art.5º ao determinar que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, ou no art.7º , incisos XXX e XXXI que postulam respectivamente a letra da lei que veda a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil e qualquer discriminação no tocante a salários e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência.

A constituição até mesmo repele manifestações racistas e ignominiosas marcadas na história no seu art.4º, inciso VIII. O Estatuto Racial, sancionado pelo Ex-Presidente Lula, também determina diretrizes com o escopo de garantir os direitos para a população negra; ademais, de acordo com a Lei Maior e com os princípios indeléveis da dignidade da pessoa humana, também é um artifício legitimado para dirimir as desigualdades pautando a cor da pele no país. Inclusive pelo dispositivo de ações afirmativas.

Visto que a constituição veda o tipo de discriminação em pauta nesse texto, por óbvio, qualquer comportamento contrário ao estabelecido na letra da lei reputa-se do título de inconstitucionalidade, podendo ser alvejada por dispositivos legais previstos na Carta Magna de acesso comum para os cidadãos por intermédio do judiciário, ou na seara das Ações Diretas de Inconstitucionalidade; não obstante, esta, pode ser impetrada tão somente por pessoas descritas no art.103º da constituição. Existe uma linha limítrofe entre as estatísticas e os princípios constitucionais, ou tudo se abrevia na incapacidade da lei corrigir este Darwinismo Social construído secularmente?

Por Marcos Araújo

quarta-feira, 2 de março de 2011

A casa de orates é aqui.

Eu perdi minha poesia. Perdi a rima dentro de mim que faz de um inteiro deste mundo, a única parte movente sobre este pedaço de terra que a gente transita. Eu perco o emprego cujo labor não executei. Perdi meus segredos, meus versos, minhas prosas. Não tenho medo, é caro demais. Em mim não há uma escola de sonhos abertas pra visitação. Tudo se fechou num verso hermético de paz sem harmonia, de felicidade por puro e pleno desespero. Não há família; contudo, extensões emocionais que erigem toda égide a me afastar da dor – a dor sim é barata. Não devo perder a rebeldia: meu grito de misericórdia, pois, é da minha voz que emana toda luz liberta. Eu quero perder os nós e, não há hora certa, não há hora correta para ser feliz enfim. Se o Senhor tempo é tão sagaz, se célere tudo em si mesmo o faz, observá-lo de longe não me interessa. Infeliz, perca-se do meu caminho, encontre a infelicidade sozinha, já que esta alimenta o teu brio, já que trocastes a tristeza pela paz. Eivar os meus prazeres por teu imperioso parecer, só vem a tornar o teu ser amargo. Imperfeita demais.