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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

A festa de Momo tem cor?




No primeiro dia de carnaval ouvi algo que me chamou atenção, se trata daquelas coisas que a gente escuta aleatoriamente e não sai de forma alguma da nossa cabeça. Pois bem. Detesto discursos tendentes a generalizar a homofobia, o racismo, a xenofobia, pois que me parece moda encalacrar todos os males do mundo nessas legendas, mas ouvi com estranheza na quinta feira passada uma jovem branca de classe média alta dizer que o mentor de “Gangnan Style” só estava chamando tanta atenção pelas ruas soteropolitanas por conta da aparência, mas o Presidente dos Estados Unidos, sua mulher e filhos, poderiam vir tranquilamente e ficar no meio do povo, todos pensariam que a família Obama estaria camuflada vendendo cerveja no isopor.

Não compreendi, ser preto é pré-requisito pra vender cerveja na rua? Curioso foi vivenciar por três vezes em ocasiões distintas durante a folia a confusão que transeuntes faziam ao me confundir com um vendedor de cerveja, naturalmente, essas pessoas lançavam um olhar apressado, pediam as populares 3“periguetes” por cinco reais (pequenas latas de cerveja), estendiam o dinheiro, e como a situação seguia com o meu silêncio, se fazia o constrangimento no ar, portanto saíam em silêncio e fingiam que aquilo não havia acontecido. Ao relatar o acontecimento numa das minhas redes sociais um amigo fez o seguinte comentário: “Sou o preto que supervisiona uma equipe de 18 pessoas num hospital de grande porte, mas quando vou à padaria, sou atendente, numa loja, sou atendente, nunca no caixa, jamais cliente”. Não preciso da luz de um gênio pra notar que é assim comigo também.

Duvido que haja quem creia que quem passa todo o carnaval dormindo nas calçadas dos Circuitos Dodô e Osmar esteja feliz (não raro famílias inteiras), onde a gente pisa, pula, e cospe, por onde o povo urina; lá muita gente vê o trio elétrico passar enquanto vende cerveja, cachorro quente, espetinho de churrasco etc. Ainda assim, não derramo uma gota da dignidade desse labor, e creio mesmo que apesar da miséria, se trata de dinheiro honesto, certo que a assertiva já é clichê – diga-se de passagem, um dos melhores – se é vergonhoso vender cerveja na rua, o que diremos de quem sai de casa disposto a enfiar uma faca na sua cintura e levar seu dinheiro, seu celular e/ou sua vida? Não sei se meu medo de entrar numa grande neurose com questões de raça, gênero, regionalismos, pode ser maior do que as dúvidas que vieram à tona: um preto perto de um isopor na festa momesca só pode ser vendedor? E no camarote, é o garçom ou o segurança? Em cima de um trio, o que eu seria? A coincidência bateu na minha porta três vezes ou se trata de um gérmen asqueroso guardado na consciência coletiva da nossa sociedade?

Gostaria humildemente de responder essas questões com equilíbrio necessário para pensá-las sem quaisquer vícios, com mais delicadeza e neutralidade, se possível for. Entretanto, só há uma dúvida que não me comunica, pois que nem poderia me pertencer: já me sinto da família Obama. 

Por Marcos Araújo

3 comentários:

  1. Marcos, você é maravilhoso. Texto maravilhos.

    Beijos

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  2. Tudo isso me deixa com um desconforto tão grande, por causa da impotência. Pela primeira vez fui ao Carnaval da Barra-Ondina e não conseguia curtir quando via os cordeiros que ficam na frente dos blocos, abrindo o caminho, e os que finalizam o cerco, sendo empurrados pela corda. Tudo aquilo, acreditava eu, me remetia a um passado de escravidão. Mas ao ler o seu texto estou aqui revendo, não é passado, fora ou dentro da corda, perto ou longe do isopor de cerveja, no presente, ainda se paga muito caro por ter a cor da noite na pele.

    Lembrei-me dessa letra ao ler: http://www.vagalume.com.br/caetano-veloso/haiti.html

    E obrigado por me dar a oportunidade, com o seu texto, de refletir sobre. É dessa forma, se expressando, que rompemos um pouco a impotência.

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  3. Marcos, infelizmente a discriminação e o preconceito continuam a existir entre nós. É incrível como um povo que amadureceu legalmente no sentido de ser mais tolerante, ser tão desprezível na prática.

    Seus textos continuam impecáveis. A escolha de cada palavra, cada sentença, é incrível! É maravilhoso ver que você continua escrevendo aqui. Obrigado por não tirar meu blog da sua lista de recomendados, falando nisso acabei de reativá-lo!


    Abraço!

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Se não leu, não comenta bobagem certo?
Obrigado o/