Seguidores

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Não se resumiu aos dois.


Por Marcos Araújo

Ela se espalhava sobre seus lençóis, cheirava a coisa suja, moça cheia de enésimas intenções, ali entre seus cabelos avermelhados e o sorriso de menina escamoteando hábitos lascivos, convidava-o para seu grande terror, ela o escondia em teu coração sinistro que quase sempre palpitava entre as pernas. O vento chacoalhava violentamente as janelas do cubículo, ali havia uma cama, um tapete esquálido embolado ao lado da porta principal; ou melhor, não havia outra.Era um espaço quente como o inferno, ele conhecia a sensação de estar morto, desde pirralho não faltara às aulas de religião, mas sabia tão bem quanto ela que não havia um bom lugar no juízo final para os dois, Deus não encerraria uma contradição tão esdrúxula.


Lembrara da esposa, da primeira cantiga de sua pequena filha que permeava sua cabeça vazia naquele tempo, a menina tocava-o sem tocar, era àquele sorriso garantido todas as noites que sustentava uma partícula de felicidade naquela vida modorrenta, pois, não havia muita honra em seu trabalho informal, sua família havia partido para o Sul e provavelmente já preencheriam alguma cova rasa, isso se não lograram uma boa sorte e esqueceram os que permaneceram nesta terra maldita. Ali, parado ante a dama do seu luxo possível, ele despia-se das desgraças que o acompanharam até então, adentrou no espaço como um foguete indômito, desgovernado, e o suor descia da altura do tronco aos dedos dos pés, esquecera de tudo que o fez homem digno e honrado, e matava-o em cada movimento violento, indiscreto, no corredor estreito do lado de fora nenhum ruído era novidade. A mulher pestilenta contorcia-se na cama e tentara pronunciar algumas imundices até ser compendiada a gemidos tão legítimos quanto à palavra daquele homem; juntos, era como se estivéssemos somando às desgraças de cada um deles; contudo, sem soluções possíveis, sem resposta exata estilo “2+2”.



Seria leviandade imaginar que ela era sádica ao ponto de encarniçar sua índole por alguns míseros trocados de gente que costumava ser muito mais miserável do que todas àquelas meretrizes num quarto só, aos 15 anos viu sua mãe perecer às moscas num hospitalzinho do município, aberta em chagas, ninguém soube explicar o que de fato havia provocado sua morte, vê-la desaparecer no jorrar contínuo das lágrimas discretas, naquele rostinho miúdo e enrugado, despertou medo. Medo de permanecer no mesmo lugarejo e acabar da mesma forma, nessa existência tácita e ao mesmo passo, tão ignorada, ela não agüentava mais esperar o dia em que partiria para o Rio de Janeiro com o que conseguiu e então driblar o sopro gélido da morte que tão cedo levara a única pessoa que já a amou plenamente.


O homem via a noite como quem se admira no espelho, àquele era seu melhor ângulo, a escuridão era também o reflexo dos seus dias, dormia, acordava, trabalhava, havia uma engrenagem no lugar da coluna vertebral, era necessariamente mecânico, suas mãos cada vez mais calejadas, e o céu cobria sua cabeça quase desabando. Ainda havia humanidade naquele peito; contudo, certos pleitos cegavam-lhe os olhos, então seu corpo se guiava no escuro tatuando no tempo um conflito hedônico, predileção da sua cabeça, mas não estava inventando nada, sua vida era mesmo desgraçada. Partiria sua alma em dois pedaços bater a porta de casa e nada ter sobre a mesa para alimentar sua pequenina, não era surpreendente não pensar na mulher nesse caso, de qualquer sorte, se tudo era destino escrito, imutável, irrevogável, se não havia Rio de Janeiro em seu mundo, válvula de escape,oras, deixem esse homem gozar em paz!Não há mais nada que alguém possa fazer por ele, apenas deixem-no.



8 comentários:

  1. Gostei muito do conto, havia lido suas crônicas e artigos, mas conto é o primeiro. Escreve maravilhosamente bem.
    As vezes percebemos as pessoas não têm uma única válvula de escape, por isso acabam fazendo o que fazem por falta de opção. Por isso julgar qualquer um é absolutamente errado. A prostituta,e o homem de família que procura a prostituta, são humanos nas suas condições precárias - nem sempre tão precárias - e fazem o que podem para viver o que lhes resta.

    ResponderExcluir
  2. bom conto, vc usa palavras bem expressivas

    ResponderExcluir
  3. gosto de como usa as palavras

    http://curiosomundodorock.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  4. Muito bom o texto. Quem lê viaja, e eu viajei agora!

    Parabéns pelo blog!

    ResponderExcluir
  5. Muito bom o texto, seu vocabulário é impecável.

    Parabéns pelo blog!

    ResponderExcluir
  6. Mtmt bom o conto vc sabe mt bem empregar as palavras e as usalas...


    http://acadasegundoumnovoverso.blogspot.com/
    @Dr_Hospicio

    ResponderExcluir
  7. Adorei seu conto, sério mesmo. Você conseguiu expressar muito bem a ideia do conto. Mesmo sendo um conto casual, você poderia agregar outro conto aos dois personagens. Gostei muito do blog.
    *já tinha comentando no outro post.
    Um abraço.

    http://pelotaonline.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  8. Nossa, você aprofundou bem mais que eu. O seu texto é riquíssimo em detalhes e bem mais realista!
    =)

    ResponderExcluir

Se não leu, não comenta bobagem certo?
Obrigado o/