Por Marcos Araújo
Ama ao próximo como a ti mesmo, assim reza a máxima cristã impregnada pelo cristianismo imanente da cultura ocidental ora celebrada. É o expoente mais tangível da nossa hipocrisia hedionda, da nossa falácia cruel travestida de educação, do nosso esforço pueril em construir verdades, bondades e sorrisos de papel, facilmente alvejados por qualquer gota de chuva, qualquer ventania que reverbere ao público nossa Síndrome de Poliana, nossa esquizofrenia moral, no entanto,
Jane Elliot, a saber, com muito destemor, recria essa máxima no documentário “
The Eye of the Storm” à luz da bioquice mastodôntica da segregação racial sustentada nos Estados Unidos da América.
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Qual diferença você enxerga? |
Uma experiência construída na sala de aula, palco do controle social, deu ênfase para o exercício do altruísmo. Crianças da 3ª série eram dividas em grupos de acordo com a cor dos olhos, as crianças de olhos castanhos usariam colares verdes para se distinguirem, o colar representava a sua condição de inferioridade diante das crianças de olhos azuis, elas não poderiam brincar com elas, não dividiriam a merenda, sequer poderiam usar o mesmo bebedouro, do contrário, as crianças de olhos castanhos matariam a sede tão somente num copo de papel. Crianças de olhos azuis não precisavam de colares, representariam espécies superiores, perspicazes, inteligentes, dignos de encômios e livres de riscos.
A tensão psicológica criada na representação de cada criança recriava o cotidiano de um negro, por óbvio, crianças de olhos castanhos experimentariam amargamente dos desdobramentos da segregação e sobre eles fariam juízos de valor, por outro lado, crianças de olhos azuis sabiam que as outras crianças eram absolutamente iguais a elas, mas o colar e a cor dos olhos estabeleciam um critério de diferenciação que não era suficiente para a construção das barreiras sociais ora impostas.
O experimento aplicado nessa turma por Jane Elliot, socióloga e professora, repercutiu sobre os aspectos mais variados de sua vida. Uma sociedade racista não admite confronto, não admite mudanças que afastem o pragmatismo primeiro da superposição das raças, o homem branco americano não queria perder o domínio para o homem negro, tal como o brasileiro ainda persiste na ideia que reconhece um Brasil equânime, despido de discriminação e/ou preconceito, sublinhe-se, o homem brasileiro das elites. Elliot promoveu o confronto com a mesma base epistemológica utilizada por Hitler para definir quais judeus deveriam ser executados na câmara de gás (de preferência os que tinham olhos com cores escuras); todavia, a ideia revestiu-se de modificações salutares e uteis para que se chegasse a conclusões frutíferas.
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Jane Elliot, professora e socióloga |
Quando o exercício promovido pela socióloga é levado para um workshop gravado livre e espontaneamente por americanos e utilizando das mesmas técnicas, contudo, invertendo as posições das pessoas de olhos castanhos e azuis, sendo que, estas estariam em desvantagem, o resultado resta inequívoco, promove exatamente os mesmos efeitos. As pessoas de olhos azuis são capazes de perceber que o mal que sobre elas se assenta em duas horas e trinta minutos é o simulacro da situação fática que envolve todas as minorias que as cercam por toda a vida, por toda a existência miserável desses seres humanos. É curioso perceber que a omissão de cada uma delas é a própria anuência; e, o primeiro passo para a reafirmação do preconceito, da agressão injustificada, do apartheid social.
As elucubrações de
Jane Elliot trazem à baila sua paixão candente pelo homem e sua luta diária para com a justiça, a igualdade e a dignidade de todo ser humano. É um documentário que não se arraiga às amarras do tempo, pois que a diferenciação da raça humana e seus consectários se avultam na história desde os primórdios da humanidade. Não se deixa de assistir
The Eye of the Storm, é uma ordem.