Aplicabilidade é uma palavra um tanto confusa para definir o que os grandes pensadores da antiguidade; modernos; contemporâneos; elucidariam quanto aos fatos sociais contidos hodiernamente, não é raro encontrar teorias, assertivas, ensaios, conjecturas, pluralmente adequáveis ao nível da experiência humana construída por nós, a eterna nova geração de rotatividades singulares. Dentre os pensadores, note-se o destaque concebido, devido antes de tudo por uma predileção literária, que recairá aos que se ocuparam em perquirir o universo filosófico, metafísico, ontológico etc.

O existencialismo traz consigo um papel deveras importante nessa alçada, em especial os méritos abordados por Sartre. Este último considerou a experiência da vida humana calcada a princípio em dois postulados que consentia a existência de apenas dois tipos de seres no mundo: seres em si correspondem a tudo aquilo que não tem consciência de si mesmo enquanto ente, além de ter sua essência pré-concebida por alguém que construiria o sentido de sua existência; seres para si correspondem ao ser humano, a existência oriunda do vácuo, do escuro, do nada, aquele que ninguém criou e que não sabe a que veio, nem para que ou para quem deva servir, esse é o homem.
- Conheça a vida e obra de Sartre:
A existência do homem pende a sucessiva construção de sua essência, que não pode ser comprada ou negociada, no entanto, sua mutabilidade se estende tanto para o presente, quanto para o futuro, pois, tudo o que ele fez e que repercutiu na vida de todos que os cercam/cercaram, jamais poderá ser alterado por qualquer motivo, o que foi feito, sempre estará feito. Todavia, devo reiterar, Sartre considera a possibilidade de cada pessoa transformar sua realidade de acordo com o caminho que ela considera ser o certo para trilhar.
Para o existencialismo sartriano nós somos eminentemente livres, estamos condenados a uma liberdade cruel que imputa para o ser humano a obrigatoriedade de fazer escolhas, são as escolhas que fornecem o sopro vital para a continuidade de sua existência, para o sustento pleno do eterno construir de sua essência, pois, por seu turno, a essência nada mais é do que o apanhado das diversas subjetividades que fazem do homem, homem, e não cadeira, copo, poste. Ademais, o homem não é despojado de qualquer responsabilidade por estar naturalmente munido de tanta liberdade, tudo o que ele faz reflete no social e gera as devidas conseqüências, independente de como ela se apresente, isso o torna um ser angustiado e constantemente confuso.
A teoria da má fé erige-se com um mecanismo de defesa, de construção de identidade e de válvula de escape para suportar essa condição eterna de “vir a ser” em que nos inserimos, pois, é um modo que o homem encontrou de dizer a si mesmo que ele é o papel que representa, o que é a vida senão um palco?Estamos professores, alunos, petistas, ativistas, criminosos, não somos, nunca somos, nunca seremos, um objeto é, nós, jamais. Aqueles que “são” ao invés de “estar”, se utilizam desse mecanismo de defesa e se tornam coisas por assim se definir.
"O homem não é a soma do que tem, mas a totalidade do que ainda não tem, do que poderia ter"
Jean-Paul Sartre
Talvez o conceito mais notável e mais importante advindo do existencialismo de Sartre seja o que considera o homem como ser para-si, apenas quando está em contato com outros iguais, pois que a construção de sua essência pende a presença do outro, que por sua vez terá hábitos, costumes, objetivos e desejos diferenciados. É a partir do outro que o homem pode enxergar-se como tal e inserir-se socialmente como amigo ou concorrente, uma vez que temos interesses e planos que podem entrechocar-se por muitas vezes nas mais diversas circunstâncias.
Um dos problemas econômicos mais pertinentes assinala justamente uma característica humana que mantém uma relação bastante estreita com a máxima anterior, não se pode produzir tudo devido a perpétua insatisfação humana, não há como produzir infinitas variáveis com recursos escassos, porém isso não recai sobre o entendimento do ser racional, mais e mais e mais é o que queremos(sem exceções).

Ao observar o outro, o ser humano tende a impulsionar a formação de sua essência de acordo com o que ele percebe no ambiente em que está inserido, ordinariamente o seu crescimento perpassa o desejo particular e salta para o prestígio social ou para a superação do outro que se movimenta ao redor, essa construção parece mais intensa, pois existe um espírito de competitividade muito rigoroso nessa corrida tácita e dolorosa, portanto, a angústia de existir e o discurso de “ser alguém” calcado no padrão alheio, é o que torna a sua existência cada vez mais atribulada.
Conscientemente ou não, perceber no outro a falência que ele não quer pra si, o revigora a ponto de enaltecê-lo por existir alguém em condições mais precárias do que as quais que ele se encontra. O incentivo para tomar conta de sua realidade ou o cerne de sua apraxia encerra-se no progresso, no bem estar, na competência do outro. Assevera-se o fato de que cada homem é dono do próprio destino, descarta-se do discurso de Sartre qualquer alusão que se aproxime do determinismo ou do darwinismo social.
Segundo Sartre “o inferno são os outros”; contudo, desconsideraria a abrangência homogeneizante dessa afirmativa para considerar peculiaridades percebidas na experiência humana do dia-a-dia.O inferno é o que os outros fazem de você, talvez não perceba, mas os movimentos que fazemos ao longo de nossa vida não justificam o nosso afastamento completo de um estado de inépcia; todavia, assinala que nossa disputa, nossa corrida, nossos desejos e tudo que dele derive, condiciona-se potencialmente nos que enxergamos no outro, aquele que o ser humano tenta ser ao invés de olhar para si nem que seja por alguns instantes.
Por Marcos Araújo