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sexta-feira, 21 de junho de 2013

Não mexe comigo. Eu não ando só.



O sol raiou sobre a terceira maior cidade do país, Salvador, e seu povo sabe que agora poderia simbolicamente rasgar em pedaços miúdos a Constituição do Brasil. Ao povo soteropolitano, ontem, dia 20 de junho de 2013, que não sairá da memória daquele que saiu às ruas em paz, mas que teve que largar seus cartazes de papel para engolir as balas de borracha da Polícia, foi negado sumariamente o direito à livre manifestação. Erro meu, crasso talvez, pensar que só hoje a Constituição poderia ser rasgada – quanta bobagem. A favela já convive há muito com a carta de boas intenções anunciadas pelos direitos fundamentais do homem. Vi ainda frases nas redes sociais apontando que o massacre no Dique, na Avenida Sete, Joana Angélica, Campo Grande, e Ondina, representam a ação policial que saiu da periferia para deixar aquele abraço do Estado pra crianças, adolescentes, adultos e idosos de diversos estratos sociais.

Quando os primeiros protestos despontaram em São Paulo, inicialmente pelo reajuste da tarifa do ônibus, questionava sempre em que passo e como as coisas saíam do controle, como a barbárie se iniciava  e tudo ruía. O que meus olhos não alcançaram nas ruas de São Paulo ou pela TV e suas coberturas duvidosas, meu coração soube captar bem. Uma manifestação plural e pacífica que saiu do Campo Grande com o sol a pino sob nós, seguiu em marcha firme numa missão de resgate e conquista de direitos. Uma ideia na cabeça, no peito o típico ufanismo exaltado em tempos de copa vertido na direção da ordem e do progresso, lá ninguém desembraiou espadas em riste. Carregamos sim gritos barulhentos em nossas mãos na perenidade silente dos cartazes. A mão do Estado, que nunca está vazia, puxou o gatilho, e bateu palma para nós, pra cada uma delas uma bomba sobre nossas cabeças.



Senti na pele o terror daqueles que estão no Poder. Manter o status quo é o objetivo, e pra isso é preciso que se faça silêncio. O povo não pode ir às ruas e dizer que se cansou. Falaram que o país está vomitando. É verdade. A ação policial, ao contrário da informação propalada em diversos veículos da imprensa, não se verteu para proteção de pessoas e do patrimônio público, pelo contrário, ontem o medo da polícia era maior que o do ladrão, digo, o ladrão que toma seu celular e seu relógio, não o patrão do policial que te alvejou - contra esse gritamos. Na região dos Barris, a polícia arquitetou uma emboscada para os manifestantes, permitindo a passagem por determinado perímetro para posteriormente atingi-los com os artefatos disponíveis. Em uma palavra: covardia (cabe numa palavra só?).

Houve dispersão, correria, confronto, um sentimento de impotência que vinha se permeando de raiva, potencializando o pior dos instintos humanos, e vi algumas cenas se repetirem. Vi a liberdade do povo espezinhada pelos interesses da FIFA diante de tremenda violência, vi também no centro de Salvador o que outrora acompanhei de casa nas fotografias e relatos dos protestos no Sudeste do país. A desconformidade perante a falta de proporcionalidade e razão da ação policial conduziu a massa, irascível que é, ao confronto direto, à destruição, e mesmo que nada se justifique ou se anule reciprocamente, é isso que acontece quando se tenta calar a voz  e o ideal de um povo empunhando armas. Não incluo nesse rol a súcia de malfeitores e sevandijas à margem do movimento que saíram tão somente para roubar, destruir e conspurcar a passeata.

Ao caminhar com parte dos manifestantes para a Ondina, de algum modo foi acalentador assistir pessoas em suas casas piscando as luzes dos seus apartamentos denotando apoio ao movimento, mesmo que não tenham ido às ruas, do mesmo modo, foi bonito ver a manifestação seguir e crescer ao longo do caminho, ganhando novos asseclas, sem vandalismo ou violência (sem a presença em massa da polícia até a Avenida Oceânica). No entanto, durante esse percurso também acompanhei a expressão, o desconforto e a represália de civis que nos hostilizavam como se estivessem alheios a nossa causa e não vivessem no mesmo país que poderia ter financiado as últimas três Copas do Mundo com o valor gasto para realizar a nossa. Pessoas que aparentemente não encaravam a violência urbana tal e qual como é e como eu encaro, ou que desconhecessem a situação do nosso transmorte público, hospitais, escolas etc.



No desfecho desta caminhada pacífica, por volta das 22 hrs, quando havia uma concentração considerável de pessoas entre a Avenida Oceânica e a Ademar de Barros na Ondina, ocorre o que costumamos denominar de gota d’agua quando o  limite do absurdo se apresenta inominável. Policiais da Tropa de Choque avançaram sobre manifestantes desarrazoadamente com toda truculência e ódio com muita rapidez, houve inclusive uma bomba da polícia dentro de um ônibus, causando pânico nos passageiros. O recado foi dado: Vocês podem bater sem machucar, não saiam às ruas, manifestação só nas redes sociais, mas se saírem... lembrem disso. Lembraremos, e ainda há fé que essa recordação reforçará a força que só contempla a união dos cidadãos.

A polícia continuará a salvaguardar interesses que não lhe comunicam, nem a mim. A FIFA, o Estado, empreiteiros e todos os outros que auferiram vantagens ou lucros da Copa estão numa ciranda solitária ao redor do povo brasileiro, jogando uma tinta nova sobre velhas estruturas de poder para que apeteçam o olhar dos incautos, escondendo mazelas, oprimindo a voz de quem não quer calar. Não quer e não vai. Somos maiores que eles, o rastro de pólvora espalhado em nosso território tende a acabar com a brincadeira antes da hora. Sejamos fortes e obstinados para dar uma resposta a tanta barbárie.

Um dia após as manifestações não há outro assunto nas redes sociais: Depoimentos, fotos, reportagens, vídeos. Alguns se destacam mais. Há aqueles que não foram às ruas, mas ficaram ansiosos para acompanhar o noticiário, concluindo posteriormente que “a polícia estava cumprindo ordens e fazendo o trabalho deles ”(sic), outros ainda pensam que “não há motivos para o povo ir às ruas”(sic), acompanhei também o comentário de um amigo fazendo referência ao tempo do PFL, afirmando que não há como comparar a repressão atual (no governo esquerdista do PT representado por Jaques Wagner) com a repressão daquele tempo. Foi então que me recordei de uma aula de história na oitava série sobre o Brasil Império: “Nada mais conservador que um liberal no poder. Nada mais liberal que um conservador na oposição”. São faces da mesma moeda com seus pequenos matizes.

Não permita que calem sua voz.

Por Marcos Araújo


domingo, 5 de maio de 2013

hemisférios do zodíaco


Dos planos serei comandante
nas águas salobras do equívoco
desmedindo um mito, refazendo
refletindo consciência de menino.

Caminho, eu, equidistante
deitado ao céu e ao sol dos amantes
que fervilha em negra pele rubra
em rubra pele, amante e negra.

Destelha meu Ser e Razão
e escoa-me num mar desconhecido
que, decerto, outrora naveguei
com a azáfama dos desinibidos

Trago a sorte de quem já amou:
vivo, e experimento o risco
vivo e conheço dos signos
vivo aprendi -  amor só morre de câncer.

Por Marcos Araújo

sábado, 30 de março de 2013

palavra: freios e contrapesos



Dentre os Crimes Contra a Honra, Capítulo V do Código Penal Brasileiro, figura no artigo 138 a figura típica da Calúnia, in verbis: “caluniar alguém imputando-lhe falsamente fato definido como crime”. A proteção do bem jurídico é tamanha que o dispositivo atinge aquele que conhecendo a lesão à honra de outrem se investe no papel de divulgar a informação danosa, até a honra dos entes queridos é preservada pela abrangência do tipo. O discurso de que “quem tem boca fala o que quer” já não é mais novidade, e muitos falastrões menos incautos ainda invocam direito constitucional da liberdade de expressão pra embasar o falatório, alguns guarnecidos de razão, outros nem tanto, muito pelo contrário, para alimentar discursos raivosos, de ódio, como aqueles que trilharam os caminhos de Cristo até a cruz, e os que estamparam na história a marca do Holocausto. A palavra, por vezes, tem potencial lesivo que sobrepuja a lâmina da faca ou agilidade da bala, com os signos da palavra se faz a informação que encontra nos dias atuais seus mais diversos veículos, perspectivas, amplitude, falar o que quer nem sempre o é, mas não perde a possibilidade de se configurar como crime – digo isso para que se compreenda o peso que acompanha a expressão. Freud é muito feliz numa de suas passagens que sintetiza bem a ideia que reside em mim: "O homem é dono do que cala e escravo do que fala."

Torna-se escravo do que fala aquele que não compreende o limite de sua liberdade, pois que se ilimitada fosse, os arbítrios de uns e outros nesse mundo anular-se-iam reciprocamente, mais que isso, a própria figura do Estado seria ameaçada diante da periculosidade do exercício insubordinado e desmedido da liberdade. Por essas e tantas outras é que vejo com estranheza a declaração de Joelma, vocalista da Banda Calypso,  quanto à homossexualidade em geral. É fato que ninguém poderá extirpar de qualquer pessoa convicções particulares, filosóficas, políticas, religiosas, seja elas de qual origem for, portanto é compreensível que a figura pública (inevitavelmente formadora de opinião), pugne por preceitos bíblicos que incorrem na condenação sumária da homossexualidade, inclusive compreendo/apoio/defendo o seu  direito de não enxergar com bons olhos o casamento gay, a  divertida música já diz: “cada um no seu quadrado”. O que de fato reclamou minha atenção foi a infeliz comparação da possibilidade de conversão do homossexual ao status legítimo/saudável de hétero com aquele que vive entre às drogas; e, é sabido que as drogas se tornaram verdadeiro câncer da nossa sociedade. A fala é reveladora de uma tendência eminentemente heteronormativa e agressiva. 

No perfil do twitter da banda a vocalista ainda complementa: “Falo em recuperação porq conheço pessoas q saíram dessa. Foi muito difícil mas, Deus pode absolutamente tudo”. Não há de se questionar o mérito da banda, dos fãs ou da música, enquanto, em verdade, o que se fez foi comparar um homossexual, espezinhado que já é pela estupidez alheia, com o sujeito que pelas mais variadas razões ulula pelas ruas debaixo do sol e da lua, rouba seu relógio, no transe fornecido pelas pedras de crack; compara o gay com aquele filho, irmão, conhecido que perdeu a identidade e desde então vende os móveis da casa para custear o vício da heroína; compara inclusive muitas pessoas com essa marca toda especial que só a homossexualidade oferece com o pai que destrói sua família afogando-a em diversas garrafas de pinga. Se ser homossexual ou dependente químico é uma questão de “ser” ou “estar”, reservo-me na mesma estranheza com a qual pensei esse discurso pela infelicidade do desequilíbrio dessas palavras; que enraivaram alguns, encetaram o riso de outros, que armaram admiradores da banda até os dentes com o melhor estilo “fé cega, faca amolada”. Em mim, não criou novel sentimento. Não se trata da primeira ou da última pessoa a vociferar tal comparação, mas em tempo de Feliciânus, Boçalnaros, e MALafaias, concluo que a oportunidade de ficar calado sabe presentar a liberdade de dizer o que se pensa.

Se o Deus de Joelma pode absolutamente tudo, acenderei hoje tantas quantas velas forem necessárias para iluminar os caminhos do Ser Humano e minar o seu coração e suas palavras de Amor. É preciso uma dosagem extra de coragem para expor a face na iminência do tapa, muito mais coragem e esforço para se tornar pessoa melhor do que era antes de receber um desses bem violentos, daqueles que deixam a marca da vergonha no rosto e na alma. É num ínterim solitário que eventualmente me separa do tempo e do espaço que exprimo a sincera crença numas das leis que embasam a natureza das coisas, se é fato que nada se perde e nada se cria, que se transformem e deformem a realidade feia que circunda, meus olhos já estão machucados por demais.


Por Marcos Araujo

quarta-feira, 13 de março de 2013

verborrrrrrrágico



Tô azul, tô retado, tô azedo, mas não tô com medo não. Eu tô pra não Ser e nem perpetuar, eu tô pra Estar não pro mais do mesmo. É que vivo sem receios, e minto. Acabei de mentir. Quanto medo tenho de Ser a “opinião formada sobre tudo”...só eu sei. Tô com raiva, e a palavra trava no dedo, parece até pesadelo, mas desde guri aparento valente. Tô triste também, Caê; que nem você nascido nesse mundo, ávido pra dizer tudo, ávido pra sentir tudo, ser tudo sem Ser, viver e cantar, – talvez. Tô é com raiva desse banho que me enxagua a cara amarrada e não se põe a lavar minha alma. 

Por Marcos Araújo

domingo, 3 de março de 2013

resiliência

O escroque e o chorume da Terra se deitam nas águas de março deste lugar que era meu, e novos rumos se espreitam neste mesmo plano, meu corpo e minha ilusão etérea fazem festa, pois no silêncio entre o equívoco e a satisfação mora ela, minha felicidade de menino que não se pode perder.

                                                                                                                             Por Marcos Araújo

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

vistes?



Não vê a menina suja pedindo trocado no sinal, não vê a mosca solta sobre a ferida alheia, não vê o que despenteia, nem o que mata, que dirá o que estraga a família inteira, não vê o morto de fome, nem o morto-sem-nome, se esbarra e não pede desculpa, não vê boa conduta, nem ama de igual pra igual, vê teu sexo e com quem se deita, qual laço se enfraquece, mas quem adoece só é visto no Final. Não vê o que nos cala e incendeia, ignora quando a brisa é farta e a clareira dos céus sobre o mundo. Não vê Maria ou João sem sobrenome, nem a truculenta solidão que consome, não vê nada além do olho roto que mira a TV feito esgoto afogando  e afagando, e informa quão raro é quem olha, quão escasso quem enxerga. Não vê coisa séria se tudo é estupidez, ignora sensatez, e zomba do policial parado na esquina esperando a morte chegar feito bailarina girando com sua sorte. Não vê quem mata sem faca,  e escolhe não perceber pequenas chacinas contidas no nababo escroto/deputado federal apontando sua arma de lá do Congresso. Candelárias, Realengos, Pinheirinhos:  Não vê. Quem viu? Não aguento. 

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

A festa de Momo tem cor?




No primeiro dia de carnaval ouvi algo que me chamou atenção, se trata daquelas coisas que a gente escuta aleatoriamente e não sai de forma alguma da nossa cabeça. Pois bem. Detesto discursos tendentes a generalizar a homofobia, o racismo, a xenofobia, pois que me parece moda encalacrar todos os males do mundo nessas legendas, mas ouvi com estranheza na quinta feira passada uma jovem branca de classe média alta dizer que o mentor de “Gangnan Style” só estava chamando tanta atenção pelas ruas soteropolitanas por conta da aparência, mas o Presidente dos Estados Unidos, sua mulher e filhos, poderiam vir tranquilamente e ficar no meio do povo, todos pensariam que a família Obama estaria camuflada vendendo cerveja no isopor.

Não compreendi, ser preto é pré-requisito pra vender cerveja na rua? Curioso foi vivenciar por três vezes em ocasiões distintas durante a folia a confusão que transeuntes faziam ao me confundir com um vendedor de cerveja, naturalmente, essas pessoas lançavam um olhar apressado, pediam as populares 3“periguetes” por cinco reais (pequenas latas de cerveja), estendiam o dinheiro, e como a situação seguia com o meu silêncio, se fazia o constrangimento no ar, portanto saíam em silêncio e fingiam que aquilo não havia acontecido. Ao relatar o acontecimento numa das minhas redes sociais um amigo fez o seguinte comentário: “Sou o preto que supervisiona uma equipe de 18 pessoas num hospital de grande porte, mas quando vou à padaria, sou atendente, numa loja, sou atendente, nunca no caixa, jamais cliente”. Não preciso da luz de um gênio pra notar que é assim comigo também.

Duvido que haja quem creia que quem passa todo o carnaval dormindo nas calçadas dos Circuitos Dodô e Osmar esteja feliz (não raro famílias inteiras), onde a gente pisa, pula, e cospe, por onde o povo urina; lá muita gente vê o trio elétrico passar enquanto vende cerveja, cachorro quente, espetinho de churrasco etc. Ainda assim, não derramo uma gota da dignidade desse labor, e creio mesmo que apesar da miséria, se trata de dinheiro honesto, certo que a assertiva já é clichê – diga-se de passagem, um dos melhores – se é vergonhoso vender cerveja na rua, o que diremos de quem sai de casa disposto a enfiar uma faca na sua cintura e levar seu dinheiro, seu celular e/ou sua vida? Não sei se meu medo de entrar numa grande neurose com questões de raça, gênero, regionalismos, pode ser maior do que as dúvidas que vieram à tona: um preto perto de um isopor na festa momesca só pode ser vendedor? E no camarote, é o garçom ou o segurança? Em cima de um trio, o que eu seria? A coincidência bateu na minha porta três vezes ou se trata de um gérmen asqueroso guardado na consciência coletiva da nossa sociedade?

Gostaria humildemente de responder essas questões com equilíbrio necessário para pensá-las sem quaisquer vícios, com mais delicadeza e neutralidade, se possível for. Entretanto, só há uma dúvida que não me comunica, pois que nem poderia me pertencer: já me sinto da família Obama. 

Por Marcos Araújo